Vi recentemente um artigo de 2010 de um cientista social da Universidade de Chicago, o professor Christopher K. Hsee, sobre sua tese da “aversão à ociosidade”. Segundo ele, as pessoas em geral não suportam a indolência (ou ociosidade): elas se sentem muito desconfortáveis quando não têm alguma atividade com que se ocupar. Por isso embarcam em atividades as mais diversas, pondera Hsee, alegando para isso diferentes razões: querem, por exemplo, ganhar dinheiro, ou obter fama, proteger seu território, produzir ciência, fazer valer seus direitos, dar significação à sua vida, atender a uma causa e muitas outras possibilidades.
Mas, para Hsee, essas razões para uma pessoa se ocupar são, no fundo, apenas pretextos que usam para não ficarem paradas, sem fazer nada!
Curiosa essa conclusão! Há uma outra, ainda, porém, também intrigante a esse respeito: premidas pelas imposições sociais, as pessoas precisam que as atividades nas quais se engajam sejam vistas pelos outros como relevantes, contributivas ou louváveis, nunca como depreciáveis ou reprováveis, e nem mesmo como deletérias ou irrelevantes.
O desconforto que as pessoas geralmente sentem, quando eventualmente se abandonam à indolência e à lassidão, é explicada por diversos autores – alguns renomados, como o psicólogo israelense Amos Tversky (1937-1996) . Esses autores explicam que as pessoas precisam sentir-se ativas e operosas: sendo o ser humano dotado de racionalidade e consciência, é pela atividade produtiva que ele se diferencia dos animais inferiores. Não temos nada contra ver um bando de leões modorrando na sanava africana, ou uma manada de hipopótamos se refrescando num rio; mas ficamos incomodados com um grupo de pessoas estiradas na areia da praia ou largadas, besuntadas de óleo, à beira de piscina, caso não estejam em férias ou não seja um dia de descanso.
Pessoalmente tenho a fantasia de que Karl Marx e seu genro Paul Lafargue não se davam muito bem (talvez o velho Karl tenha deplorado o casamento da filha…). Minha crença vem do fato de que Lafargue publicou em Paris, em 1880 (Marx morreu três anos depois) um livro elogiando a… indolência: “O direito à preguiça”. Acho que Marx não deve ter gostado, pois o trabalho era, sem dúvida, um valor primordial para ele. (O que Marx atacava era a exploração do trabalhador pela burguesia e a servidão a que era submetido, em jornadas diárias de trabalho que chegavam a 15, 17 horas e não diferenciavam entre homens, mulheres e crianças. Porém, Marx era adepto do trabalho, não da ociosidade!)
Entretanto, o que valorizamos no trabalho, nos dias de hoje, é algo radicalmente diferente daquilo. Queremos que o trabalho seja sobretudo intelectual, inteligente, e não aquele cumprido com a mão de obra, dependente da resistência e da força física, que vigorou até algumas décadas atrás. De qualquer modo, nosso trabalho precisa fazer sentido, ser significativo: queremos atividades que a sociedade possa recompensar, com dinheiro e/ou com prestígio.
Por isso temos hoje a dupla tendência de (a) não suportar a leseira, a languidez; e (b) tampouco suportar que nossa atividade seja meramente supérflua, estéril. Ao contrário de ambas essas coisas, queremos cumprir atividades proveitosas, de alto valor agregado.
No fundo os dois desconfortos se fundem num só. O que buscamos é, no fundo, a aprovação da sociedade, enquanto fugimos de sua desaprovação – que virá, acreditamos, caso nos entreguemos ao “dolce far niente” ou caso as atividades a que nos dedicamos sejam inúteis e não acrescentem valor econômico.
A questão, agora, passa a ser outra: o quê, afinal de contas, seria uma atividade inútil? Difícil dizer. Arte e sexo, por exemplo, são, nesse sentido, atividades inúteis, não? Hmmm… essa é uma outra discussão e não vamos entrar nela.